Sobre compreender o horror, testemunhar a morte e perdoar para viver mais pleno

Geral



(*) Paulo Nakayama

14/10/2024 - Conheci Takashi Morita quando ele, em setembro de 2019, esteve em Tupã para uma palestra sobre os horrores que as duas únicas bombas atômicas já lançadas pelo homem provocaram nas cidades de Hiroshima e Nagasaki. Testemunha do poder de destruição destes aparatos, o senhor, que faleceu em 13 de agosto, aos 100 anos, carregava sua voz mansa e fala tranquila para ilustrar, com propriedade, o que tinha visto.
Morita era um dos líderes da Associação Hibakusha Brasil Pela Paz (em tradução livre, Hibakusha significa vítima da bomba atômica) e, se estivesse vivo, teria celebrado discretamente a conquista de seus irmãos japoneses desta quinta-feira (10), quando a Nihon Hidankyo (Associação Nacional dos Sobreviventes de Bombas Atômicas do Japão) teve seu trabalho reconhecido pelo comitê responsável pela entrega do Prêmio Nobel da Paz e se juntou a um seleto grupo de pessoas cujos esforços para promover a fraternidade ganham reflexo mundial.
O trabalho que estes grupos realizam tem importância fundamental: graças ao testemunho e a seus esforços, a ameaça de uma guerra nuclear esteve, durante muito tempo, fora de cogitação. Mas, a sombra negra da morte por radiação voltou a pairar sobre a humanidade. Seja nos conflitos no Oriente Médio, seja na guerra entre Rússia e Ucrânia, o emprego deste tipo de armamento vem sendo cada vez mais cogitado.
Para quem nunca conviveu com este tipo de ameaça, é difícil compreender o tamanho do pânico que ela traz embutida em si. Mas bastam alguns segundos para entendermos quando confrontamos os horrores que ela provoca. 
Em agosto de 1994, visitei a cidade de Hiroshima, onde foi detonada a "Little Boy", bomba de urânio que explodiu a 600 metros de altura, com potência de 13 mil toneladas de dinamite. No momento da detonação, o artefato liberou 500 milhões de volts de energia, que elevaram a temperatura no epicentro a 1 milhão de graus celsius. Isso fez com que, no solo, o calor chegasse a 10 mil graus celsius, pulverizando imediatamente quem estava no raio de alcance, literalmente apagando da Terra milhares de pessoas.
O calor cauterizou a pele de quem estava mais distante. Com o corpo em chamas e desesperados, homens, mulheres e crianças buscavam a salvação se jogando nas águas do Ota Gawa (rio Ota) que corta a cidade. Mas, devido ao calor intenso, as águas estavam ferventes e aqueles que tentavam se livrar do fogo morriam quase imediatamente ao mergulhar no líquido escaldante.
Segundo os registros históricos, cerca de 70 mil pessoas foram mortas naquele 6 de agosto de 1945. Outras 80 mil perderam a vida no ano seguinte, vítimas da radiação que as atingiu. Boa parte dessas almas, seus lamentos e seus gritos de agonia ainda pode ser sentida com uma simples visita à cidade. No local mais próximo à explosão, hoje existe um memorial para a paz. Um local de contemplação e reflexão, onde as ruínas são a atração principal, ilustrando, de maneira triste, o horror e o sofrimento.
Takashi Morita, o corajoso japonês de 1,60 metro, estava na cidade na hora da detonação. Ao longe, ele viu o céu se iluminar. Era como se mil sóis nascessem ao mesmo tempo, segundo relatou. Militar na época, seguiu o instinto e correu para próximo do ponto zero, tentando prestar socorro às vítimas. Horrorizado, ele viu as ruas forradas de cadáveres. Viu toda uma geração ser aniquilada em segundos.
Desde então, ele fez da cruzada antiarmamentista sua vida. Com sua estrutura franzina e seu jeito simples, levou uma mensagem poderosa Brasil afora. Em Tupã, deixou impressionadas e emocionadas as pessoas que acompanharam a palestra que ministrou junto com outros dois sobreviventes, Kunihiko Bonkohara e Junko Watanabe, nas Faculdades Faccat.
De certa forma, o Prêmio Nobel também é dele. E de muitos outros. O Prêmio Nobel é de um país inteiro, que tinha todos os motivos do mundo para se rebelar contra o resto da humanidade e investir em ressentimento, violência e morte. Mas, ao contrário, preferiu se reerguer e se reconstruir na paz. Sem ódio. Sem rancor.
O Prêmio Nobel é daqueles que entendem que é com amor que se constrói as coisas duradouras e que o perdão nos torna mais leves e dá sentido à nossa vida. Com o coração cheio destes sentimentos, vivemos mais leves, nos tornamos plen amente realizados. 
Como fez Takashi Morita em centenária jornada neste planetinha que, por sermos estúpidos, tentamos destruir. 

(*) Paulo Nakayama é jornalista

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